segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Samba diferente


No meio da praça meu samba travou
Bateu num compasso diferente...
No meio da "troça" a idéia mudou
E eu resolvi ir mais à frente.

Todo mundo dança a dois por quatro
marcando o mesmo ritmo retardado
Por que a minha dança tem que ser assim?

Enquanto a "troça" trota atravessada
a minha mente muda essa levada
E eu vou mudando o samba por aqui

Eu to aqui é pra sambar diferente,
O samba da troça que acha que é maior
Não muda o samba da Gente.

Algumas palavras



Não há nada a dizer, mas alguma palavra geme, clama e reclama ser dita. Talvez por que as palavras não pertençam mais a mim, mas eu a elas. E elas expressam arbitrariamente o que deveria estar em algum rincão distante da superfície e entregam ao vento aquilo que me é mais valioso e oculto. São teimosas e dizem o que eu não podia dizer, mas dizem sempre o que precisava ser dito. Então minha pior nudez é exposta por essas mimadas palavras porque nelas está sem nenhuma máscara aquilo que sou. Entretanto nem todos sabem me ler e por isso às vezes não há nada a dizer... Mas ainda assim alguma palavra geme, clama e reclama ser dita e eu fico como um romance feito sob medida para quem se encontrar nas minhas palavras mimadas...

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Maré maré

Amor, a maré subiu.
Amar é subir a maré,
Amar a maré,
Subir a maré de amar...
Maré do mar de amor.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Testamento



Estando em perfeito juízo e em pleno gozo de minhas faculdades intelectuais, resolvo lavrar o presente testamento particular para dispor de meus bens para após a minha morte da seguinte forma:

Aos que me amaram deixo minha gratidão
Aos que não me amaram também deixo gratidão, pois me ajudaram a viver sem ilusões.
Aos que me fizeram sofrer deixo meu perdão.
Àqueles que fiz sofrer minhas sinceras desculpas, pois é a única coisa que posso deixar.
Aos inconsoláveis deixo minhas melhores palavras
Aos desesperados minha fé.
Aos que sentirão minha falta deixo as melhores lembranças
Aos que choram deixarei o som das minhas canções
Aos abandonados deixo minha ternura
Aos impacientes deixo minha calma
Aos que não me esquecerem deixo meu coração
Mas dos seres que amei com todo o pouco que foi meu enquanto vivi, desses eu levarei saudades.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Pousada maranata

Quando saltei no terminal tinha o cansaço de três dias sem dormir, eu era praticamente um zumbi. Só quis pegar a mochila depois que todo mundo abandonou o vagão e, sendo o último a descer, acabei ficando meio perdido na estação. Pensei que tinha saltado no lugar errado e logo me dei conta que tal façanha era impossível, pois eu sempre descera no terminal. Olhei a placa da dianteira do trem – Lagoa do céu – era o mesmo nome brega de sempre, então procurei alguma semelhança com a estação da qual tinha partido cinco anos atrás para começar a faculdade de arquitetura. Sentei em um banco perto do fiteiro.
- Tem fogo?
O fiteiro me fez ouvido de mercador. Foi ai que me dei conta que estava mesmo em Lagoa céu. Não existe povo avarento a ponto de negar-se a acender o cigarro de um visitante fora de Lagoa, imaginei. Por desgosto fiquei na vontade de fumar, andei até o fim da estação dando com uma chuva catastrófica lá fora. Só me restou esperar que as águas daquele quase dilúvio dessem trégua. Eu não tinha pressa, ninguém esperava minha volta tão cedo e eu estava ali como um forasteiro em sua terra natal. Nunca tinha sentido tanta preguiça, mas resolvi sair na chuva mesmo, como se minha teimosia fosse constranger o céu a não chover mais. Parece que por alguma coincidência esquisita aquilo funcionou. Fui em baixo da garoa à pousada de minha mãe e quando despontava na esquina após caminhar seis quadras com sofreguidão, Horácio vinha espalhafatoso, gordo e desengonçado ao meu encontro, chegou até a mijar de alegria e saudade, quando ele chegava perto fechei os olhos imaginando a queda que os dois iam levar na poça atrás de mim, mas o Horácio já era velhinho. Cinco anos pra mim eram cruéis vinte anos pra ele. Quando chegou perto de mim só me cheirou os sapatos e me olhou com o a ternura que só um verdadeiro amigo pode olhar.
Foi só quando tirei o olhar de Horácio que vi a pousada abandonada e com um aspecto penoso. Troquei mais um olhar com meu cão antes de ir de encontro à pousada Maranata, a qual me recebeu calorosamente com a placa caindo sobre meu dedão. Anfitriã idiossincrática como essa eu nunca vi. Entrei com o cuidado de esquadrão antibombas e assoviei a cantiga do pai Francisco que fez com que Horácio me olhasse da porta sem muita disposição para entrar.
- Meu vira-lata velho não é mais o mesmo – Pensei comigo.
Resolvi cantarolar em uma esperança ingênua de que alguém ouviria – “Pai Francisco entrou na roda tocando seu violão... Bi rim rim bão bão... –
Nada respondeu. Quase me convenci de que não havia nenhuma viv’alma além de mim na pousada Maranata quando escutei a voz de minha irmã – “Vem de lá seu delegado e pai Francisco foi para prisão”
Cantei mais alto dando a deixa – “Quando ele vem todo requebrado...”.
Escutei a voz dela embargada – “Parece um boneco se desengonçado”.
Desde qualquer data que me fosse possível lembrar, junto com Adira eu sempre cantava essa música e essa era umas das minhas melhores lembranças. Fui atrás da voz dela e por descuido, quando dobrei no corredor que dava acesso aos quartos, tropecei numa mochila. Esquisito... A mochila era idêntica a minha... Era uma réplica perfeita. Os defeitos, as manchas, tava tudo lá... Aquilo me deixou com todas as pulgas possíveis atrás da orelha. Mas prossegui procurando Adira. Encontrei ela no terceiro lance de escada com os dedos sobre o braile da bíblia que eu tinha lhe dado antes de partir.
- Dazinha!
Duas lágrimas correram dos seus olhos de imediato. Ela fechou com cautela a bíblia abrindo-a novamente na segunda carta de Pedro no capítulo um, no verso quinze lendo em audível som: “Mas também eu procurarei em toda a ocasião que depois da minha morte tenhais lembrança destas coisas”. Gelou-me a espinha de cima a baixo ou o inverso ou tudo de uma vez. Estaria Adira pensando em quê finalmente?
- Mozão, eu cheguei, não ta vendo? – então eu vi que não foi uma piada boa para aquela hora definitivamente. Adira não me respondia. Pensei que ela tivesse esquecido da minha voz. Minha voz tinha mudado nos últimos anos graças ao cigarro, as festas da faculdade, os projetos que entravam pela madrugada, as aulas no grupo de estudo. Um sem fim de coisas, mas será possível que Dazinha não conhecia mais a minha voz? Ela era tímida com estranhos, logo, nunca mostrava os olhos a qualquer um, mas eu gostava dos olhos azulzinhos dela. Na infância eu tinha inveja porque eu não ganhei os olhos do vovô, mas depois vi que não ia me combinar muito mesmo. Conformava-me em fitar os dela quando ela estava desatenta.
Eu queria cutucar-lhe a orelha como ela fazia comigo quando eu ralava o joelho e o queixo bancando o rei da bicicleta. Aquilo era bom demais... Só quem tem uma boa irmã mais velha sabe o que é isso. Mas eu não consegui fazer, algo me impedia. Tudo aquilo era muito sofrido. Resolvi descer mais um lance de escada e rever o quarto em que geralmente eu ficava quando trabalhava até tarde e não podia voltar pra casa. Para minha surpresa o quarto estava tão bem arrumado que parecia não fazer parte daquele lugar. Os livros, as fotos, a escrivaninha com abajur e na escrivaninha uma carta escrita com a minha letra de título: II Pedro 1.15. Faltou-me palavra... Pensar se tornou missão inconcebível. Subi outro lance de escada e minha Dazinha continuava lá com a cara mais vermelha ainda. Fui à porta da entrada e Horácio permanecia lá como um carpete velho ao lado da placa caída ao chão, que dizia: Pousada Maranata. Corri ao quarto e fitei a novamente a carta que tinha por título II Pedro 1.15 sem ousar tocá-la.
- Mas também eu procurarei em toda a ocasião que depois da minha morte tenhais lembrança destas coisas...
Adira tateou até chegar ao quarto e me olhar com olhos castanhos iguais aos meus. Pensei comigo onde estaria o azul? Mas o mais medonho de tudo era que Adira me encarava. A mim sempre foi impossível que um cego encarasse alguém. Os olhos dela me seguiam aonde quer que eu desviasse o meu olhar. Ela me via. Falou-me com uma voz grave, quase cava.
- De ti me restou tanta saudade... - E coçou a minha orelha. Foi a primeira vez que chorei em cinco anos.
- Por que II Pedro 1.15? – Perguntei com medo da resposta.
- ...

***

Acordei pulando do assento e, antes que do vagão se enxergasse a lagoa do céu, eu já estava de mochila nas costas. Arremessei o cigarro pela janela e fui incomodar o maquinista. É óbvio que fui interceptado, mas bem o trem não parou e eu já saltava elétrico do vagão correndo como louco pela estação. Comprei um pandeiro no fiteiro e sai batucando “Pai Francisco entrou na roda tocando seu violão be rim rim bão bão” Quando vi o dilúvio que descia fora da estação resolvi tomar um banho de chuva dos bons para comemorar a minha chegada e quando ensopado eu terminei de correr as sete quadras que separavam a estação da pousada vi Horácio correndo em minha direção.
- Vira-lata safado!
Ele vinha todo se tremendo e vibrando o cotoco de rabo. Derrubou-me na poça de lama atrás de mim. Lambeu-me até cansar a língua mole e depois saiu correndo de volta pra pousada Maranata latindo mais que três cães. Fui correndo atrás de Horácio em passo um pouco mais lento na medida do possível. E quando subi os degraus da entrada cantado a marcha do pai Francisco a placa da onde se lia: Pousada Maranata me caiu nos calcanhares. Quando me abaixei pra ver os danos que a placa inconveniente tinha causado uma mãozinha cutucou minha orelha.
- Parece um boneco desengonçado!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Febo


Sob esse mesmo sol
O suor dos mais velhos
Lavava os rostos cinzas e pó
Da colheita da cana...
Sob esse mesmo sol...
Uma tímida flor
Que brotava dos átrios do mandacaru
Pôs em lágrima os olhos
Sob esse mesmo sol
Os barracos se juntam
Formando uma lama
De asco e de dó
Mergulhado em desonra
Na veia da favela
Sob esse mesmo sol
Curumins que não sabem quem são
e se perdem na selva pior
Feito em ferro de fel
Morre sua etnia.
Astro rei de intratável vermelhidão
Não serei o cantor dessa confusão
E o que fazer pra sair da contemplação?
Vou morrer com esse sangue em ebulição?

(...) Enquanto a minha vaquinha tiver o couro e o osso e puder com o chocalho pendurado no pescoço Vou ficando por aqui que Deus do céu me ajude quem sai da terra natal em outro canto não pára só deixo o meu Cariri no último pau-de-arara (...)
(...) Oh meu Jesus! perdoai-me, livrai-me do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente aquelas que mais precisarem (...)

domingo, 28 de setembro de 2008

Paz, ternura, delicadeza.


Eu te amo com a paz de uma alma descuidada
que por crer no teu olhar se entregou acorrentada
sem pensar no que seria de minh'alma envergonhada
ao compor a melodia por teus olhos afinada.

e te amo com ternura de um amigo enciumado
que finge não se importar quando te terá ao lado
sorvendo a falta de algo que nem pode ser falado
pois se manifesta ao som do que se decifra calado

te amo com a delicadeza de uma flor em teus cabelos
um diminuto ornamento que se perde em teus anseios
mas esperou por longo tempo abandonar campos cheios
de outras ervas daninhas escondidas em seus medos.

Te amo em paz, ternura e delicadeza.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Remarcação do espaço cárdiogeografico



Sempre me disseram: cara, tu tens um coração grande! E eu até acreditei por certo tempo. Cheguei a pensar que esse meu coração fosse uma zona fraterna onde qualquer um pudesse pedir refúgio. Concebi que meu coração era maior que esse mundo, pois no mundo não cabe todo mundo... Falta espaço no mundo! Mas no meu coração não faltava espaço e sempre haveria uma vaga pra mais um xodó, mais um amigo, mais um amado inquilino da minha cordialidade. Em um delírio mais que insano imaginei sete bilhões de casinhas minúsculas instaladas no meu peito com ruas e avenidas na mais perfeita ordem. O mundo seria melhor se todos resolvessem morar no meu coração.

Estou sentindo que ele é bem menor do que eu imaginava...

Meus sonhos estão espremidos no coração, minha ternura se espalhou por não conseguir se acomodar, minhas antigas dúvidas foram morar longe, e minhas dores sequer mandaram cartão de visitas. Cheguei sozinho à conclusão que existem coisas maiores do que o mundo e ainda maiores que meu coração, coisas que dilataram o pobrezinho e ainda o fizeram transbordar...

Várias coisas que são bem maiores do que eu imaginava...

Sinceramente não pensei que alguém pudesse ocupar tanto espaço. Começou com uma casinha e logo inaugurou a famosa rua da saudade. Nem pisquei e já tinha construído praças onde o coração festejava a presença da nobre cidadã. Não usou diplomacia, dominou. A criatura espaçosa foi se espalhando no ar como uma música boa. Ocupou tudo. Só tenho uma coisa a dizer aos que enalteciam o tamanho do meu coração: meu coração já foi grande, mas agora só cabe Ela.


quarta-feira, 30 de julho de 2008

Casa verde


Moça, eu caminhava bem tranqüilo,
Eu não pensava em nada disso
Até você me aparecer
Agora o meu sono anda atrasado
Minha mente agitada
Matutando sem parar

Quem sabe saberei saber seu sonho
Sacudindo sal na vida
E salvando seu coração
Pensando bem eu nunca tive
Medo de pular muro de farpa
Nem tentar matar dragão.

Mas, eu te confesso
Que eu tive medo
Quando desligado
Eu caminhava por ai
Medo de não ter o que sonhar
De não ter o que tentar
De não ter pra quem sorrir.

Moça, eu te digo com certeza
Que você me faz sorrir
Por toda vez que penso em ti
e penso nessa voz atrapalhada,
Nessa tua gargalhada,
Nas bochechas em carmim.

Se Deus me desse a audácia
De tentar adivinhar o que tu tens
No fundo do teu coração
Te juro, eu tramaria algo simples:
Faria uma casa verde
E te roubava para mim.

Mas quando eu descobrir de fato
O que Ele quis fazer
Cruzando os passos
Do meu rumo com o teu
Não vou precisar mais te roubar
Sei que Ele vai me dar
O melhor que tens pra mim.

Endereço


Eu daria meus olhos, meu sorriso, minhas lembranças...
Daria meus sonhos, minhas angústias, minhas farsas.
Daria meus beijos, o meu desejo, minha paixão...
Daria as estrelas, as montanhas os jardins suspensos da babilônia,
Daria sem pudor até mesmo o que minhas mãos não pudessem carregar.
Daria uma flor, uma semente, um pedaço do meu espírito em conserva...
E qualquer coisa que esse humilde universo ousasse possuir de belo
Eu saquearia para dar-lhe.
Mas não me leve a mal,
O problema é que eu ainda não sei seu endereço...

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Vale à pena



Vale à pena debruçar-se às vezes na janela
Procurar joaninhas nas pétalas
E sentir o perfume do nada...

Vale à pena apostar numa idéia improvável
Fazer-se um sonhador notável
E crer numa dor perecível

Vale à pena escolher ir a pé no caminho
Decidir sofrer mais e sozinho
Aprender a vencer labirintos

Vale à pena conservar alguns velhos amigos
Partilhar desventuras e vícios
Dividir as angústias da vida

Porém dentre todas as coisas
Que me fazem dizer: Vale à pena!
Encontro:
Subir em galhos de amoreira,
Harmonizar ecos dos sonhos
Olhar os olhos dela...
Paralisei...
Valeu à pena!

domingo, 18 de maio de 2008

Resolvido


Dessa vez não quero dor.
Se não der certo eu desisto
Vou virar monge no Tibet
Viver de arroz e chá de flor.

Eu largo mão dessas farsas
Ou qualquer coisa que faça
Teus olhos olharem os meus
e enchê-los da tua graça.

E se Careca, sereno, aluado
alguém me encontrar certo dia
Buscando encontrar o nirvana
Do teu cabelo ondulado

Digam que eu endoidei
Tentei ser amante e não deu
Tentei ser poeta e não deu
Peguei minha lógica e dei.

Não inventem explicações
Não se desculpem por mim
Não resisti e morri
Matando a brava corrosão

Da alma tola e entregue
À alma dela, alma turva,
Perigoso pântano turvo
Em que imerso fui breve.

E acabando a palhaçada
Com o bucho cheio de amido
Chuto a bunda do cupido
E ao garçom peço cachaça!


terça-feira, 6 de maio de 2008

Eu quero um daqueles



Eu quero um amor daqueles de filme...
Daqueles que lançam fantasia sobre a tela
E que derramam sonho sobre as poltronas
Daqueles que nos fazem cócegas no peito
E nos deixam sem escolher a próxima palavra

Eu quero um amor daqueles...
Daqueles que surgem como as flores azuis
E sublimam em perfume no ar
Invadindo a lógica, lançando longe a matemática,
Enfeitando os vestidos e as camisas de botão...

Eu quero um amor daqueles...
Daqueles dos quais falam os poetas
Daqueles por quem sofrem os amantes
Daqueles de paixão tão exagerada
Que escorre pelos cantos da alma

Eu quero um amor de aquarela
De cores manchando a imaculada chatice
Dos céticos indecentemente secos
Que borre os cânones das conversas de boteco
e inunde de luz os magistrados

Um amor verde, laranja, rosa e verde
Azul, lilás, amarelo, vermelho e verde
Até preto e verde e verde mas nunca branco.
Só não sujarei de branco esse sonho de amor
indefinidamente colorido, leve, longo e verde

Eu quero um amor de luzes e sons
De cores escandalosas e texturas íntimas
Daqueles quem só se vêem em filmes
Que nos deixam presos na poltrona a saborear
Lágrimas insistentes e doces caindo sobre o sorriso tímido





quarta-feira, 9 de abril de 2008

Pérola


Pérola me fitou de cima a baixo, eu confesso que queria saber qual era o seu juízo. Embora estivesse convicto de que daquela vez pouco me importaria, a prática era muito mais difícil que a teoria. Não foi difícil gravá-la em seus mínimos detalhes. Até seus defeitos pareciam ser colocados ali como que pelas mãos de um escultor experiente. Sem muita demora ela se jogou no Sofá da sala de visitas, tomou o controle da televisão e mudou de canal me olhando com aqueles luzeiros amarelos. Senti-me uma mariposa bêbada. Em pouco tempo não lhe havia mais surpresa que arrebatasse. Plantou uma flor no meu terraço cinzento, jogou fora minha coleção de jogos de tabuleiro, afinou as cordas do meu cavaquinho, dançou, despenteou-se, enrubesceu-me.

- sorvete de abacaxi!
- como?
- lógico.
- não falo como de comer não.
- quero ver teu nariz gelado.

Desatava no riso. Pérola parecia propositalmente espontânea, era cruelmente leve, fazia-se necessária. Pensei em conspiração, imaginei coisas, estudei teses, na capelinha tinha novena eu não quis passar perto. Quem sabe
Um dia ela vai embora de casa... ou somente fique na sala de visitas. Espero que não se dê conta de que esta com as chaves de todos os cômodos nesse instante.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Abraço


Abraço


Alguém inventou o abraço
Não se sabe por qual motivo
Se foi pra fazer-se mais forte
Ou protege-se inofensivo

Alguém inventou o abraço
Talvez por medo ou frio
E fez dois corpos num só
Em um instante perdido

Alguém inventou o abraço
Pra receber o outro de frente
Abrindo os braços e o sorriso
Se entregando inconseqüente

E percebeu que o abraço
Aquece, protege, afaga,
Afasta da dor da falta
Aquele que nele se entrega

E que além de aquecer,
Proteger, afagar, alegrar,
Resguardar, ajuntar, animar,
Ajudar da tristeza esquecer

É a forma que um coração
Deita-se ao peito amado,
Recompondo a comunhão
Em um abraço demorado.

terça-feira, 18 de março de 2008

Problemas

A imprensa prensa a presa que fica presa ao preço do progresso do pobre e primário protótipo da prioritária probidade humana...
Enquanto os prepotentes príncipes como porcos putrefatos proliferam podres preceitos sobre o proletariado pobre...
Prolixos, produzem pobreza provinda da prosa de precária precisão permeando profecias prognosticas profligáveis e prostitutas.

Dedinho

Malvada rosa que feriu o meu dedinho
E me deixou inteiramente encabulado,
Eu já sarei o meu dedinho machucado.
Hoje eu venho devolver-te teu espinho.

O meu dedinho hoje é mais crescidinho,
Aprendeu que certas rosas são malvadas.
Destas rosas, que não sabem ser amadas
hoje o dedinho fita só o burburinho.

Quem sabe um dia alguma flor imaculada
Se entregará ao meu dedinho apaixonada
Apagando a cicatriz do meu passado.

E meu dedinho beijará as suas pétalas
Como quem já encontrou a rara pérola
De estar livre e escolher ser seu escravo.

Quereres

Quereres


Quer me queira quer, quer não queira,
Eu não vou calar meu canto,
Não vou esconder meus versos,
Caso eu queira... Cantarei.
Se quiseres que eu queira
Alguma coisa que se queira
Por não ter o que queria...
Queira então que eu te esqueça.
(não que eu queira).
Se mal me queres sem pesar,
e se tu queres que eu queira
o que estás a me ofertar
vá tomar no coração
a flecha de um anjo doido,
Um elixir para o peito tolo,
Que faz do amor um simples jogo,
Onde agente as vezes perde,
Ainda que ganhar se queira.
Que eu não te queira mais,
E que tu nunca me queira
(não que eu queira)
Mas queiramos por findar
Algo mais que não querer
Uma dor de vida inteira.
Que se queira por querer
Alguma coisa que se queira
Por querer o que se quer
Ainda que nada se queira.

Dona aranha

A aranha tece a teia cautelosamente
E os caminhos se formando indiscretamente
Os dedos se encontrando intuitivamente
O amor se construindo num labor demente

A aranha tece a teia sem pensar na hora
Sem saber o que acontece depois do agora
Só tecendo o prazer de sujeitar-se outrora
A coser linhas de vidas que, confusa, enrola.

A aranha tece a vida em fios entrelaçados
Juntando meus pedaços com os teus pedaços
Formando a rede densa cheia de embaraços
Aprisionando pobres diminutos desastrados

Um dia a dona aranha ao fitar um reboliço
Verá dois inocentes cruelmente inofensivos
E deglutirá sem pena, sem nenhum sobreaviso
Os dois desavisados que brincaram com o perigo.

Soneto da bifurcação

Não pense que eu te amo tanto assim
Não vá fazendo nada sem pensar
Não ache que eu vou me importar.
Não faça tanto escândalo por mim

Um dia eu fui criança, não mais sou,
Não ponha mais mordaças no meu canto,
Eu sempre encontrarei um “entretanto”.
Já sei mais ou menos pra onde vou,

Agora é tarde demais pra me seguir
E eu quero apressar o passo, prosseguir...
E ainda que comigo queira ir...

Não faço mais questão de ser seu guia,
Seguirei a estrada solitária e fria.
Desculpe-me, não vou mais por ai.